Natal abraço de Paz
Natal abraço de Paz
Madre Chiara Cazzuola
Queridas Irmãs,
Gostaria de abrir esta mensagem de saudação com a recordação de infância de uma pessoa que viveu os seus primeiros anos de vida durante a Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, quando chegava o Natal, seguia com alegria os afazeres da mãe que colocava à mesa as mais belas louças, mas o que mais a entusiasmava era o papel impermeável que envolvia os talheres de prata. Um papel de cor azul noite com as estrelas douradas, que muito a fascinavam e acendia a sua imaginação de menina, o seu desejo: eis que no céu azul, pontilhado de estrelas, como no papel do panetone, os anjos de repente escreveriam a palavra PAZ, luminosíssima; todos veriam e fariam uma grande festa.
É lindo o sonho desta menina, mas a paz é um dom vivo que se guarda, protege, faz crescer na terra com a ajuda do céu. Infelizmente, guerras que parecem intermináveis continuam a causar vítimas e o coro dos anjos que anuncia a paz sobre a terra pode parecer estridente com as realidades de beligerância e violência, desencadeadas em várias partes do planeta. Mas precisamente por esta escuridão é importante viver com fé, o Natal do Príncipe da Paz.
Quando Jesus nasce, sobre o império Romano reina a pax augustea, uma paz imposta com as armas, conservada com a ameaça da destruição, preservada com o uso da violência. É uma paz garantida por uma mastodôntica máquina de guerra que, no entanto, não sabe frear as tiranias, as crueldades e as injustiças sociais. E é em Belém, lugar sob o cruel Herodes, rei da Judeia, que nasce Jesus, o Príncipe da Paz, o incomparável príncipe da paz, princípio e fonte da Paz. A paz deste menino é verdadeira e diferente da não-guerra; a sua substância é o amor e a justiça, reconciliação e redenção.
Em Belém multidões de Anjos cantam: “Glória a Deus nas alturas dos céus e paz na terra”, um díptico que nas duas expressões diz a mesma coisa, embora de um ponto de vista diverso. Como disse o Papa Bento XVI: “A glória de Deus está no mais alto dos céus, mas esta altura de Deus agora se encontra na gruta de Belém, a sua glória está na terra, é a glória da humildade e do amor. A GLÓRIA DE DEUS É A PAZ”. Sabemos que esta Paz é Jesus e que esta paz tem um preço: a sua encarnação e a sua paixão.
Com a encarnação do Verbo, o inclinar-se de Deus para cuidar dos céus e da terra, como diz o salmista, sublinhando (Sl 112/113) que o olhar de Deus é um agir – “eleva do pó o fraco, levanta do lixo o pobre” – assume um realismo antes inimaginável.
Deus se inclina: vem, Ele mesmo, como menino, numa gruta. Um menino real com uma Mãe, dulcíssima, cheia de graça, mas uma mulher que pertence à humanidade, a um povo: Maria. Este Menino coloca-se na condição de dependência total, próprio de cada recém-nascido. O Criador, que tem nas suas mãos a vida de toda a criação, faz-se pequeno e necessitado do amor humano.
O Seu sacrifício por nós homens é a Glória que refulge no mais alto dos céus: nada, de fato, é mais sublime que este Amor! A glória de Deus torna-se visível a nós se abrirmos os olhos da fé e do coração para este Menino deitado numa manjedoura que recolhe nas suas mãos as esperanças da humanidade, o dom da fraternidade indissolúvel, restituindo-nos ao Pai como filhos novos n’Ele Filho, e o dom da paz.
Também a arte, que vai além das palavras, nos ajuda a refletir sobre o grande dom da paz que nos vem de Jesus. Em particular, a pintura de Sandro Botticelli “Natividade Mística”, única obra assinada e datada pelo grande artista florentino, destaca o clima de reconciliação entre o humano e o divino, mostra os anjos e os homens que celebram o nascimento de Jesus, alegram-se juntos.
Obviamente não é possível contemplar, aqui, este presépio em toda a sua complexidade simbólica, detemo-nos a ler juntos a mensagem/palavra que traz:
Ø Na estrutura pictórica a atenção é logo atraída para a parte central: a Natividade.
O menino Jesus está no centro da cena, abrindo os braços para ser acolhido pela mãe, metáfora da Igreja universal e da humanidade pela qual se encarnou.
Maria, a Mãe, ajoelhada em adoração diante do seu filho recém-nascido, avulta na estrutura cênica por vontade do artista que a representa segundo um esquema não-prospectivo, mas hierárquico, para sublinhar a importância da Virgem no mistério que é retratado, onde sobretudo domina a intensidade do olhar entre Nossa Senhora e seu Filho.
O restante das figuras coroadas de oliveira está disposto de maneira estritamente rítmica, gerando simetrias e movimentos que têm a cadência de um ballet. À esquerda, um anjo vestido de rosa acompanha os três Reis Magos que trazem como presente somente a adoração, à direita um anjo branco indica o Menino a dois pastores. Ambos têm nas mãos ramos de oliveira, símbolo da paz que o menino divino veio trazer à humanidade que ama.
- No alto, no céu, doze anjos cantam hinos de louvor, carregando pergaminhos com inscrições evangélicas nas quais se lê «Glória in excelsis Deo” e «Pax hominibus” e carregando ramos de oliveira dos quais pendem as coroas, símbolos de realeza e paz. Voam de mãos dadas, descrevendo uma roda de concórdia entre o mundo e as esferas celestes, simbolizadas pela cúpula dourada. Este círculo angélico representa a dança da vida, símbolo da fecundidade e regeneração espiritual.
- Sobre o telheiro três anjos, com vestes que lembram as cores das três virtudes teologais, entoam um canto regendo um coral com as mãos, provavelmente o Apocalipse de João: um modo simbólico de aludir à sua segunda vinda, ou à “Parusia”, o tempo em que o mundo acabará e Deus dará à humanidade novos céus e terra nova.
- A obra combina o tema do nascimento de Cristo com o de sua segunda vinda, ou seja, o retorno à Terra conforme prometido no Evangelho e no Apocalipse. Então se assistirá à completa reconciliação entre os homens e Deus, como parece prenunciar o abraço de comunhão entre os anjos e personagens coroados de louros, isto é, os sábios segundo o evangelho, os virtuosos, os homens que estão do lado da verdade, os homens que compreendem e cooperam para o advento do reino de justiça e de paz. Homens e anjos alegram-se juntos, abraçando-se pela vitória do Menino sobre o mal e pelo advento da desejada paz universal.
Este abraço entre o céu e a terra também pode indicar os meios para vencer a presença do mal: a fraternidade e, através do exemplo dos anjos, oração.
E para construir a paz anunciada pelos anjos não há outro caminho senão aquele inaugurado pelo próprio Jesus: é a paz que começa em Belém, passa pelo Calvário, entra na luz gloriosa da Páscoa. Seja dada a nós Filhas de Maria Auxiliadora, às nossas comunidades educativas, aos jovens a nós confiados, às nossas famílias a alegria da humildade, do amor, do perdão, da comunhão fraterna; o desejo ativo de anunciar ao mundo este Menino, a vontade de nunca nos afastar do coro dos anjos que cantam hosanas, aos quais cada dia poderemos, realmente unir-nos na celebração eucarística.
Que nos seja dado ser sempre mais aqueles homens e mulheres da “sua complacência”, aos quais o Senhor, nossa única salvação, doa a paixão de colaborar no advento da sua paz, para que possa finalmente entrar e fazer morada estável neste mundo.
“A paz é um abraço que te faz se sentir seguro”, disse uma menina. Que este abraço que parte de Maria, se estenda aos anjos, aos pastores, a cada crente, reúna todos os homens e mulheres na alegria da Graça doada, na alegria da paz anunciada.
Feliz Natal de plena e segura Esperança!
Roma, 24 de dezembro de 2024
Irmã Chiara Cazzuola
Superiora Geral do Instituto das FMA